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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Cyrce Andrade fala sobre a brincadeira como forma de expressão das crianças

Especialista afirma que essa atividade tem um papel fundamental para o desenvolvimento dos pequenos e proporciona aprendizagens


"Brincar tem de ser divertido e, mais que aprender a perder, é importante saber que brincar, por si só, é gostoso." Ilustração Rogério Fernandes. Foto Marina Piedade
Quando a fonoaudióloga Cyrce Andrade começou a atender crianças em consultório, se perguntava por que os questionários inquiriam sobre tantas coisas, como saúde e alimentação, mas não tocavam no quesito brincar. "Não fazia sentido se o que a garotada mais gosta de fazer é se envolver com jogos e brincadeiras e essa é sua forma de representar e conhecer o mundo", diz ela, que a partir dali direcionou seu trabalho e seus estudos para conhecer mais o tema. Mestre em Psicologia da Educação, ela foi responsável pela criação da brinquedoteca da comunidade da Rocinha, no Rio Janeiro, há 23 anos. Hoje, atua como assessora de projetos e formadora de educadores. Ao longo da vida, reuniu brinquedos e jogos do Brasil e de diferentes partes do mundo em uma coleção reunida em sua casa, de onde concedeu esta entrevista à NOVA ESCOLA.

Brincar é algo que se ensina?
CYRCE ANDRADE
Sim, é uma aprendizagem social. Quando um bebê bate uma mão na outra, trata-se de um gesto casual. Mas, se alguém repetir o movimento, dá intencionalidade lúdica e aí, sim, ele se transforma em brincadeira. É necessário estabelecer uma relação com o outro. Mas não é só o adulto que ensina. Crianças convivem entre si e trocam experiências a respeito.

Qual é a importância do tema na Educação Infantil? CYRCE Primeiramente, temos de pensar no brincar como algo que vai além dessa etapa. A escola precisa do brincar. E isso não porque tem crianças. A relevância da ludicidade nela se justifica porque é um ambiente onde existem seres humanos. Depois, é preciso enxergar o brincar como a maneira que os pequenos têm de produzir cultura e como a forma de expressão da infância por excelência. Caso se iniba essa linguagem, que opção restará a eles? Infelizmente, há muitas dificuldades de perceber essa produção de cultura lúdica contemporânea porque muitos adultos não conhecem várias brincadeiras ditas modernas. Não estou falando que é preciso decorar o nome de todos os personagens, mas precisamos saber que eles existem. Os educadores têm de saber do que brinca sua turma durante o fim de semana.

Brinquedos eletrônicos estão muito presentes no cotidiano infantil. Eles são indicados para crianças pequenas? E para o acervo da escola?
CYRCE
Não sou defensora do sabugo de milho em oposição ao chip. Acho que um complementa o outro. Esse tipo de discussão já existiu no passado: brinquedo industrializado versus artesanal. O alvo muda, mas já vimos que as coisas se somam. Porém defendo que a escola, por ser um dos raros lugares que os pequenos têm para conviver com os colegas hoje, seja um ambiente que privilegie o brincar em grupo. Mas isso não significa proibir os eletrônicos totalmente.

Alguns eletrônicos parecem ter vida própria, o que acaba gerando a ideia de que a criança não precisa brincar com eles e se torna mera expectadora. Essa concepção faz sentido?
CYRCE
Essa dúvida me faz recordar um estudante de Pedagogia que me contou gostar muito, quando menor, de brincar com um trem elétrico, que ficava rodando sozinho. Ele disse que, enquanto o observava, lembrava que sua avó andava de trem e que ela sempre lhe contava histórias. Ele ouvia a voz dela enquanto o trem estava em movimento. É uma história interessante para ref letir sobre o fato de que não temos como saber o que se passa pela cabeça de alguém enquanto brinca. E não há brinquedo eletrônico que prenda a atenção porque é eletrônico. Ele tem de ser interessante.
Como resgatar as brincadeiras tradicionais de rua, como amarelinha e pega-pega?
CYRCE
A escola tem de se apropriar delas porque é um dos únicos lugares que hoje oferecem os pré-requisitos para que ocorra: espaço livre e gente reunida. Outro motivo é que elas promovem a integração social. O problema é que qualquer jogo para entrar na escola precisa ter um objetivo didático. O olhar adulto às vezes é redutor das possibilidades.

"Aprender brincando" é uma expressão muito em voga. Funciona usar brinquedos para ensinar? CYRCE Acho possível. Porém isso não significa disfarçar a aprendizagem. Se estamos dentro da escola, qual o problema de ela fazer seu papel? Aprender é tão interessante quanto brincar. Não é castigo. Os educadores precisam compreender que criança gosta de aprender e se dedica ao desafio. Basta saber como conduzi-lo. Observe os pequenos com blocos de madeira. Eles nunca constroem coisas simples: tentam montagens mirabolantes, que vão cair várias vezes até dar certo. Às vezes, disfarçar algo com uma brincadeira pode ser bom para diminuir uma angústia do adulto que precisa ensinar, e, não da criança, que vai aprender.

Ensinar a perder é importante na Educação Infantil? Por quê? CYRCE Quando pequenas, as crianças não têm o valor de ganhar e perder bem definidos e isso tem de ser trabalhado - mas não valorizando o ganhador e ironizando o perdedor. Brincar tem de ser divertido e, mais que aprender a perder, é importante saber que brincar é gostoso. Geralmente, jogos cooperativos são muito valorizados nas escolas: todos ganham ou perdem e perder em grupo é menos dolorido. Quem disse que, quando o jogo vence, as crianças não começam a procurar quem fez a jogada que colaborou com a derrota? O válido em ter jogos desse tipo é proporcionar o contato com a diversidade de regras. Aprender a cooperar é fundamental, mas os tabuleiros não têm o poder de ensinar isso.

Qual o tempo que o brincar deve ocupar na rotina da Educação Infantil?
CYRCE
É uma questão difícil. Não saberia dizer se é algo que pode e deve ser marcado. Por isso, não sou a favor do ambiente chamado brinquedoteca nas escolas quando é usado como um espaço que limita - física e temporalmente - o momento do jogo. Se considero que há um tempo definido para brincar, preciso definir o que não é brincar e isso não faz sentido, já que a construção do conhecimento se dá em vários momentos e não é uma coisa estanque.

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