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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Alfabetização Natural


ALFABETIZAÇÃO ANTES DO SÉC. XX

Da invenção do alfabeto, atribuída aos fenícios, até meados do século XX, pouca coisa mudou no ensino da escrita. Os métodos e processos de alfabetização evoluíram apenas superficialmente no que concerne ao ensino da leitura propriamente dita, pois estes continuaram, por todos esses anos, centrados, exclusivamente, na preocupação do ensino e memorização do código alfabético-fonético da língua.

O alfabeto atual, que nos permite escrever qualquer palavra conhecida, é o resultado de longos anos de história da escrita do homem e decorrente de sua necessidade de registrar fatos, idéias e pensamentos. Esse processo se iniciou praticamente com a pintura nas cavernas do período paleolítico; transformou-se na pictografia (registro de idéias por desenhos copiados da natureza com relativo realismo); aperfeiçoou-se com a simplificação desses desenhos, transformando-os em ideogramas (sinais simplificados de desenhos, já sem a preocupação de fazê-los cópias fiéis da natureza) e resultou na criação dos fonogramas (sinais que representam os sons da língua falada), invenção essa atribuída ao povo  semita, que habitava a Ásia Menor.

A difusão do ensino, no entanto, só se deu, efetivamente, a partir do século XIX, com a difusão e defesa da idéia do ensino primário obrigatório.

O ensino da leitura e da escrita na Antigüidade (Grécia e Roma antigas) enfatizava de tal forma o domínio do alfabeto (ensino do nome e forma das letras), a ponto de o processo iniciar-se pela caligrafia e pelo reconhecimento oral do nome de cada sinal (letra). Esse procedimento era bastante repetitivo e demorado e transformava-se, numa fase posterior, na conjugação de dois, depois três sinais para serem “lidos” juntos, formando assim novos sons, sem qualquer preocupação de ligação destes a significados.

Depois de dominadas todas as possíveis combinações de letras e sons, e de os alunos já estarem manobrando bem penas e tintas na caligrafia das letras, estes eram, então, levados a formarem palavras que, depois, reunidas, formavam frases e, finalmente, textos. O ensino da escrita sobrepunha-se ao da leitura.

O ensino do alfabeto deu origem ao termo alfabetizar e ao primeiro método de ensino, que conhecemos pelo nome de alfabético. Saber escrever era sinal de status, e somente classes privilegiadas tinham acesso ao “ensino das primeiras letras” e isso vigorou até muito recentemente. Na Grécia o ensino era sempre individual e cabia aos escravos (pessoas cultas retidas como prisioneiras de guerra) fazê-lo. Em Roma, em época posterior, os filhos dos ricos já iam à escola. Os professores eram, geralmente, gregos, na sua maioria, escravos dos romanos. Ensinavam a poucos alunos, em cada classe, que podia ser de meninos ou de meninas, separadamente. As aulas eram sempre na parte da manhã. Quando nos perguntamos, hoje, por que esses métodos davam certo, é preciso considerar os inúmeros fatores favoráveis que concorriam para o sucesso, tais como: alunos de um meio culto, ensino individualizado ou classes pouco numerosas e horário matinal, conseqüentemente, com crianças descansadas.

As dificuldades em enunciar sons resultantes de combinações de consoantes com vogais, tendo aquelas nomes diferentes dos sons que deveriam evocar, levaram os pedagogos da Antigüidade a questionarem a validade do método alfabético e substituí-lo por uma simplificação, que era semelhante em tudo ao primeiro, porém não ensinava mais o nome das letras e sim o seu respectivo som. Assim foi criado o método fônico ou fonético.

Com o passar dos anos, as classes aumentaram em número de alunos, e a passagem do som, especialmente das consoantes surdas, portanto, sem som, tornou-se muito difícil (para não dizer impossível) aos mestres da Idade Média e período renascentista, que já lecionavam em classes de mais de cinqüenta alunos. Mais uma transformação se deu, ainda de maneira superficial e não científica, pois mantinha-se o objetivo primeiro: a passagem do código fonético através do ensino do alfabeto. A mudança pedagógica operada constava de artifícios de que os mestres lançavam mão para levarem os alunos a associarem o som das letras (especialmente das consoantes mudas) a palavras conhecidas. Mais tarde, a essas palavras juntaram-se gravuras que as ilustravam. Deram a esses métodos, “psicologicamente” desenvolvidos (psicologicamente porque apelavam para os sentidos), os nomes de psicofônicos ou psicofonéticos, onde o apelo, artificialmente imposto pela palavra ou gravura, era ainda associado, por alguns pedagogos, já no início deste século, ao alfabeto recortado em massa de biscoito (Basedow-1902) para que as crianças as deglutissem por completo, reforçando sua aprendizagem pelo estímulo do paladar, ou recortado em madeira (Huey-1912) para acentuar os efeitos de apelação tátil.

Outras nações, porque suas línguas eram silábicas e também porque dispunham de menos recursos para a educação, como gravuras grandes e coloridas e alfabetos de madeira (utilizados por Montessori-Itália), necessários ao psicofônico, transformaram o ensino das primeiras letras no ensino das consoantes ligadas às vogais, visando a facilitar o seu enunciado oral, sem outros apelos mais dispendiosos, o que se tornou conhecido como método fonêmico ou  silábico. Não carecia de material específico, e qualquer pessoa, mesmo leiga, poderia ensinar, desde que alfabetizada. Essas duas características, aliás, mantêm o seu emprego, até hoje, nos países subdesenvolvidos.

No Brasil, este processo chegou com os padres jesuítas e se difundiu de norte a sul do país, desde o início de sua história. Sua tendência a perpetuar-se, nos lugares onde já foi empregado, é enorme, o que já chegou a ser constatado, estatisticamente, pela UNESCO, em decorrência de ser extremamente lógico, portanto, muito ao gosto do adulto que tenha sido alfabetizado por ele, e de ser muito gratificante por dar ao professor a “impressão” de já ter “dado” tudo depois de trabalhados todos os fonemas. Essa impressão faz com que ele se livre da culpa do fracasso, pois não se sente responsável pelo fato de o aluno não ter aprendido aquilo que ele tem certeza que “ensinou”.

O método silábico se caracteriza pela formação de palavras novas, desde o início do processo, a partir da síntese (união) de pedaços (sílabas) conhecidos. Muitas alterações foram feitas no decorrer dos séculos, criando apelos, como artifícios pedagógicos, que visam sempre a estabelecer uma associação da sílaba a uma palavra, conhecida como “palavra-chave”, o que não o transforma num método de palavração, como muitos autores de cartilha fazem crer, pois quando o recurso de formar palavras novas, a partir da união de sílabas, se dá antes do reconhecimento de, pelo menos, cinqüenta palavras diferentes onde estes pedaços seriam descobertos por um processo de análise, o processo empregado na alfabetização terá sido um processo de síntese, e ele será, portanto, sintético. E deverá ser reconhecido como silábico por ser a sílaba a unidade lingüística tomada como ponto de partida para a formação de palavras Novas. Na palavração o processo é analítico e a unidade lingüística tomada como ponto de partida é a palavra. Sempre que a divisão de palavras visando isolar as sílabas que gerarão palavras novas se der na primeira, segunda ou terceira unidade da cartilha, o processo é essencialmente sintético e o método deve ser considerado silábico, segundo recomendação especial da UNESCO adotada internacionalmente. 

Por ser um processo extremamente sonoro, muita ênfase se dá à pronúncia, em voz alta, das sílabas isoladas, na ordem natural do a-e-i-o-u, onde se mantém o som aberto característico das vogais. A repetição de sílabas isoladas, que ainda se mantém, até hoje, nos métodos silábicos, é uma prova da importância dada ao ensino do código da escrita, maior que à formação de hábitos de leitura, pois aquelas isoladamente não têm significado, não passam idéia ou informação ao leitor.

Eminentes psicólogos e lingüistas voltados, neste século, ao estudo científico das  causas de problemas de leitura apontam inúmeras desvantagens, comumente apresentadas nos processos silábicos:
1. A pobreza do vocabulário produzido unicamente em decorrência das possíveis combinações dos fonemas estudados resulta em frases de conteúdo medíocre e pouca ou nenhuma possibilidade de composição de textos, o que por sua vez não permite que a leitura seja suficientemente atraente para o aluno para interessá-lo em ler e não lhe dá recursos para escrever textos interessantes e, muito menos, chances de expressar seu pensamento.
2. O resultado inevitável de se formar palavras desconhecidas dos alunos ou não do seu uso ou escolha, nas primeiras lições, porque sua produção fica, inevitavelmente, sujeita e limitada aos poucos fonemas estudados, impede a formação adequada de hábitos de leitura com compreensão e adia ou prejudica o estabelecimento da indispensável sensação de ler, que o aluno deve sentir para envolver-se no processo.
3. O desalento produzido pelo inconsistente reconhecimento de “bás” “más” e “fás”, que não produzem a necessária sensação de ler, desacredita o processo de ensino junto ao aluno e, não raro, cria atitudes negativas com relação à leitura, ao estudo e à sua auto-estima, gerada pela sensação de fracasso produzida.
4. O prejuízo do período silábico, anterior à descoberta da leitura, se prolongar por mais de três meses, acarreta o enorme risco de o aluno não conseguir mais aprender a ler com compreensão, pois, à medida que ele aprende a reconhecer pedaços isolados e sem significado, incorpora, como hábito negativo, a silabação (leitura silabada ou soletrada) e suas chances de se tornar um leitor inteligente (com compreensão) diminuem, em progressão geométrica, a cada dia passado e se tornarão, praticamente, nulas após um ano letivo ou dez anos de idade, terminando por ser acessível a ele, unicamente, uma leitura mecânica (maiores explicações sobre este fato da incapacidade adquirida de leitura com compreensão estão inseridas no próximo capítulo).

Fontes:
Rizzo, Gilda. Alfabetização Natural, Art Line: 1982 1998.


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