ALFABETIZAÇÃO ANTES DO SÉC. XX
Da
invenção do alfabeto, atribuída aos fenícios, até meados do século XX, pouca
coisa mudou no ensino da escrita. Os métodos e processos de alfabetização
evoluíram apenas superficialmente no que concerne ao ensino da leitura
propriamente dita, pois estes continuaram, por todos esses anos, centrados,
exclusivamente, na preocupação do ensino e memorização do código alfabético-fonético
da língua.
O
alfabeto atual, que nos permite escrever qualquer palavra conhecida, é o
resultado de longos anos de história da escrita do homem e decorrente de sua
necessidade de registrar fatos, idéias e pensamentos. Esse processo se iniciou praticamente
com a pintura nas cavernas do período paleolítico; transformou-se na
pictografia (registro de idéias por desenhos copiados da natureza com relativo
realismo); aperfeiçoou-se com a simplificação desses desenhos, transformando-os
em ideogramas (sinais simplificados de desenhos, já sem a preocupação de
fazê-los cópias fiéis da natureza) e resultou na criação dos fonogramas
(sinais que representam os sons da língua falada), invenção essa atribuída ao
povo semita, que habitava a Ásia Menor.
A difusão
do ensino, no entanto, só se deu, efetivamente, a partir do século XIX, com a
difusão e defesa da idéia do ensino primário obrigatório.
O ensino
da leitura e da escrita na Antigüidade (Grécia e Roma antigas) enfatizava de
tal forma o domínio do alfabeto (ensino do nome e forma das letras), a
ponto de o processo iniciar-se pela caligrafia e pelo reconhecimento oral do
nome de cada sinal (letra). Esse procedimento era bastante repetitivo e
demorado e transformava-se, numa fase posterior, na conjugação de dois, depois
três sinais para serem “lidos” juntos, formando assim novos sons, sem qualquer
preocupação de ligação destes a significados.
Depois de
dominadas todas as possíveis combinações de letras e sons, e de os alunos já
estarem manobrando bem penas e tintas na caligrafia das letras, estes
eram, então, levados a formarem palavras que, depois, reunidas, formavam
frases e, finalmente, textos. O ensino da escrita sobrepunha-se ao da leitura.
O ensino
do alfabeto deu origem ao termo alfabetizar e ao primeiro método de ensino, que
conhecemos pelo nome de alfabético. Saber escrever era sinal de status, e
somente classes privilegiadas tinham acesso ao “ensino das primeiras letras”
e isso vigorou até muito recentemente. Na Grécia o ensino era sempre
individual e cabia aos escravos (pessoas cultas retidas como prisioneiras de
guerra) fazê-lo. Em Roma, em época posterior, os filhos dos ricos já iam à
escola. Os professores eram, geralmente, gregos, na sua maioria, escravos
dos romanos. Ensinavam a poucos alunos, em cada classe, que podia ser de meninos
ou de meninas, separadamente. As aulas eram sempre na parte da manhã. Quando
nos perguntamos, hoje, por que esses métodos davam certo, é preciso considerar
os inúmeros fatores favoráveis que concorriam para o sucesso, tais como: alunos
de um meio culto, ensino individualizado ou classes pouco numerosas e horário
matinal, conseqüentemente, com crianças descansadas.
As
dificuldades em enunciar sons resultantes de combinações de consoantes com
vogais, tendo aquelas nomes diferentes dos sons que deveriam evocar, levaram os
pedagogos da Antigüidade a questionarem a validade do método alfabético e
substituí-lo por uma simplificação, que era semelhante em tudo ao primeiro,
porém não ensinava mais o nome das letras e sim o seu respectivo som.
Assim foi criado o método fônico ou fonético.
Com o
passar dos anos, as classes aumentaram em número de alunos, e a passagem do
som, especialmente das consoantes surdas, portanto, sem som, tornou-se muito
difícil (para não dizer impossível) aos mestres da Idade Média e período
renascentista, que já lecionavam em classes de mais de cinqüenta alunos. Mais
uma transformação se deu, ainda de maneira superficial e não científica, pois
mantinha-se o objetivo primeiro: a passagem do código fonético através do
ensino do alfabeto. A mudança pedagógica operada constava de artifícios de
que os mestres lançavam mão para levarem os alunos a associarem o som das
letras (especialmente das consoantes mudas) a palavras conhecidas. Mais tarde,
a essas palavras juntaram-se gravuras que as ilustravam. Deram a esses métodos,
“psicologicamente” desenvolvidos (psicologicamente porque apelavam para os
sentidos), os nomes de psicofônicos ou psicofonéticos, onde o apelo,
artificialmente imposto pela palavra ou gravura, era ainda associado, por
alguns pedagogos, já no início deste século, ao alfabeto recortado em massa de
biscoito (Basedow-1902) para que as crianças as deglutissem por completo,
reforçando sua aprendizagem pelo estímulo do paladar, ou recortado em
madeira (Huey-1912) para acentuar os efeitos de apelação tátil.
Outras
nações, porque suas línguas eram silábicas e também porque dispunham de menos
recursos para a educação, como gravuras grandes e coloridas e alfabetos de
madeira (utilizados por Montessori-Itália), necessários ao psicofônico, transformaram
o ensino das primeiras letras no ensino das consoantes ligadas às vogais,
visando a facilitar o seu enunciado oral, sem outros apelos mais dispendiosos,
o que se tornou conhecido como método fonêmico ou silábico. Não carecia
de material específico, e qualquer pessoa, mesmo leiga, poderia ensinar, desde
que alfabetizada. Essas duas características, aliás, mantêm o seu emprego,
até hoje, nos países subdesenvolvidos.
No
Brasil, este processo chegou com os padres jesuítas e se difundiu de norte a
sul do país, desde o início de sua história. Sua tendência a perpetuar-se, nos
lugares onde já foi empregado, é enorme, o que já chegou a ser constatado, estatisticamente,
pela UNESCO, em decorrência de ser extremamente lógico, portanto, muito ao
gosto do adulto que tenha sido alfabetizado por ele, e de ser muito
gratificante por dar ao professor a “impressão” de já ter “dado” tudo depois de
trabalhados todos os fonemas. Essa impressão faz com que ele se livre da culpa
do fracasso, pois não se sente responsável pelo fato de o aluno não ter
aprendido aquilo que ele tem certeza que “ensinou”.
O método
silábico se caracteriza pela formação de palavras novas, desde o início do
processo, a partir da síntese (união) de pedaços (sílabas) conhecidos. Muitas
alterações foram feitas no decorrer dos séculos, criando apelos, como artifícios
pedagógicos, que visam sempre a estabelecer uma associação da sílaba a uma
palavra, conhecida como “palavra-chave”, o que não o transforma num método de
palavração, como muitos autores de cartilha fazem crer, pois quando o recurso
de formar palavras novas, a partir da união de sílabas, se dá antes do
reconhecimento de, pelo menos, cinqüenta palavras diferentes onde estes pedaços
seriam descobertos por um processo de análise, o processo empregado na alfabetização
terá sido um processo de síntese, e ele será, portanto, sintético. E deverá ser
reconhecido como silábico por ser a sílaba a unidade lingüística tomada
como ponto de partida para a formação de palavras Novas. Na palavração o
processo é analítico e a unidade lingüística tomada como ponto de partida
é a palavra. Sempre que a divisão de palavras visando isolar as sílabas que
gerarão palavras novas se der na primeira, segunda ou terceira unidade da
cartilha, o processo é essencialmente sintético e o método deve ser
considerado silábico, segundo recomendação especial da UNESCO adotada
internacionalmente.
Por ser
um processo extremamente sonoro, muita ênfase se dá à pronúncia, em voz alta,
das sílabas isoladas, na ordem natural do a-e-i-o-u, onde se mantém o som
aberto característico das vogais. A repetição de sílabas isoladas, que ainda se
mantém, até hoje, nos métodos silábicos, é uma prova da importância dada
ao ensino do código da escrita, maior que à formação de hábitos de leitura,
pois aquelas isoladamente não têm significado, não passam idéia ou informação
ao leitor.
Eminentes
psicólogos e lingüistas voltados, neste século, ao estudo científico das
causas de problemas de leitura apontam inúmeras desvantagens, comumente
apresentadas nos processos silábicos:
1. A
pobreza do vocabulário produzido unicamente em decorrência das possíveis
combinações dos fonemas estudados resulta em frases de conteúdo medíocre e
pouca ou nenhuma possibilidade de composição de textos, o que por sua vez não permite
que a leitura seja suficientemente atraente para o aluno para interessá-lo em
ler e não lhe dá recursos para escrever textos interessantes e, muito menos,
chances de expressar seu pensamento.
2. O
resultado inevitável de se formar palavras desconhecidas dos alunos ou não do
seu uso ou escolha, nas primeiras lições, porque sua produção fica,
inevitavelmente, sujeita e limitada aos poucos fonemas estudados, impede a
formação adequada de hábitos de leitura com compreensão e adia ou prejudica o
estabelecimento da indispensável sensação de ler, que o aluno deve sentir
para envolver-se no processo.
3. O
desalento produzido pelo inconsistente reconhecimento de “bás” “más” e “fás”,
que não produzem a necessária sensação de ler, desacredita o processo de ensino
junto ao aluno e, não raro, cria atitudes negativas com relação à leitura,
ao estudo e à sua auto-estima, gerada pela sensação de fracasso produzida.
4. O
prejuízo do período silábico, anterior à descoberta da leitura, se prolongar
por mais de três meses, acarreta o enorme risco de o aluno não conseguir mais
aprender a ler com compreensão, pois, à medida que ele aprende a reconhecer pedaços
isolados e sem significado, incorpora, como hábito negativo, a silabação
(leitura silabada ou soletrada) e suas chances de se tornar um leitor
inteligente (com compreensão) diminuem, em progressão geométrica, a cada dia
passado e se tornarão, praticamente, nulas após um ano letivo ou dez anos de
idade, terminando por ser acessível a ele, unicamente, uma leitura mecânica
(maiores explicações sobre este fato da incapacidade adquirida de leitura com
compreensão estão inseridas no próximo capítulo).
Fontes:
Rizzo, Gilda. Alfabetização Natural, Art Line: 1982 1998.
Rizzo, Gilda. Alfabetização Natural, Art Line: 1982 1998.
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